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Capital

Ventilador em barraco é tão essencial quanto gás; risco é "gato" de energia

O problema é que as "gambiarras" que a comunidade precisa fazer para ter acesso à energia são um grande perigo

Por Idaicy Solano | 11/01/2024 14:35
Ventilador está na lista de itens essenciais de Cícero (Foto: Marcos Maluf)
Ventilador está na lista de itens essenciais de Cícero (Foto: Marcos Maluf)

Em barracos cobertos pelo zinco, feitos de lona e madeira, ventilador se tornou item vital. Os moradores até conseguem o aparelho, mas outro desafio é fazer o equipamento funcionar. Sem abastecimento de energia, dezenas de famílias em moradias irregulares se arriscam diariamente fazendo gambiarras para refrescar o lar improvisado. Como muitas casas dependem da mesma ligação clandestina, o risco de curto-circuito é maior.

Cícero José Martins, 64, vive na antiga área da extinta Homex, na saída para São Paulo. Em março do ano passado, a comunidade começou o processo de regularização, com instalação de postes e fornecimento de energia, mas o projeto ainda está em andamento. Mas quando o calor insuportável e os pernilongos não deixam dormir, o jeito é pagar para ver.

No barraco de Cícero, a ligação de energia vem de um poste localizado a 150 metros da casa. Foram necessários mais de 100 metros de fio para a eletricidade chegar na moradia dele e de outros sete barracos vizinhos. Para custear o valor dos oito rolos de fios para montar a rede, as famílias fizeram uma vaquinha.

Como a rede é instável, ele só liga o objeto no período da noite, para dormir. O mesmo ventilador funciona há cinco anos. Ele se lembra de ter economizado por dois meses para investir a quantia de R$ 105. Para ele, o item é tão essencial quanto um botijão de gás, por exemplo.

É um dos itens que a gente mais usa, que a gente mais precisa: uma geladeira, um botijão de gás e um ventilador. Sem a geladeira isso aqui é um caos, por causa da água gelada, e sem ele [o ventilador], não tem como, é complicado, é muito calor e muito pernilongo”, declara Cícero.

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Se não fosse pelo ventilador doado pela sogra, a dona de casa Damares de Souza Nunes, 31, não teria um para dividir com o marido e os filhos, de 8, 9 e 11 anos. O objeto só é ligado de noite, porque a energia da casa sobrecarrega com facilidade.

Conforme a dona de casa, apenas um ventilador não é o suficiente para dar conta do barraco abafado. O jeito é deixar o objeto em um local estratégico, entre o quarto do casal e das crianças, para conseguir refrescar os dois cômodos.

Ela e o marido trabalham com serviços gerais e diárias. Entre comprar um ventilador novo e colocar comida na mesa, não há dúvidas de qual é a prioridade do casal, que tem três crianças para cuidar. “Não sobra dinheiro. E nem compensa comprar ventilador usado, porque a energia daqui não é boa também. Às vezes ela vem forte, e aí estraga, queima”.

Estamos com um velho mesmo, e olha que esse velhinho já caiu, já quebrou, já foi trocado de hélice umas 34 vezes. [Para arrumar] fui me virando sozinha, tem que se virar nos 30. Não tem dinheiro para comprar o novo”, relata Damares.

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Considerado um “item essencial” pela dona de casa Stefany Gonçalves dos Santos, 37, ela precisou comprometer uma parte do auxílio que recebe do governo para comprar um ventilador. Mesmo assim, não é sempre que dá para ligar, pois a dona de casa relata que a energia da comunidade é precária.

Ou você usufrui de uma coisa ou de outra. Eu não tenho padrão, então é mais complicado. Se eu vou usar a máquina [de lavar roupa], tem que desligar o ventilador, porque pode dar curto”, relata Stefany.

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O investimento, no entanto, valeu a pena. “É uma qualidade de vida. Não tem como ficar sem, ainda mais nesse calor. Nessa época de chuva, aqui, onde tem muito mato, tem mosquito, então é uma coisa que hoje não tem condições de ficar sem”.

Perigo - O eletrotécnico Jeová Rodrigues, 45 anos, explica que essas ligações em série criam uma forte resistência na rede e potencializam incêndios e "geralmente essas ligações clandestinas não usam o fio apropriado para ligações. Pode virar uma tragédia, em periferia mesmo, pega fogo num barraco, se tiver outros do lado, pode acabar com tudo, só com um curto-circuito e uma gambiarra assim", explica o profissional.

A reportagem procurou a Energisa para questionar a respeito de ações para evitar esse tipo de risco em áreas invadidas. A concessionária alertou para os riscos que as ligações clandestinas oferecem à população.

Segundo a Energisa, além de ocasionar acidentes com choques elétricos, curtos-circuitos e incêndios, as ligações podem provocar mortes.

Por sua vez, a Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (Emha) informou que o processo de regularização da energia elétrica na comunidade foi iniciado em julho do ano passado, em parceria com a Energisa.

Conforme a administração municipal, todas as famílias da comunidade que residem na área com ruas abertas já contam com ligações regulares de energia elétrica. Segundo a Emha, a um ofício foi encaminhado nesta quarta-feira (10) para a realização do arruamento da área denominada 'área da mata', "possibilitando que a comunidade tenha 100% das instalações."

Emanharado de fios utilizados para fazer ligações clandestinas de energia na comunidade (Foto: Marcos Maluf)
Emanharado de fios utilizados para fazer ligações clandestinas de energia na comunidade (Foto: Marcos Maluf)

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